domingo, 13 de junho de 2010

O Consultório

- Boa tarde Dr. Sérgio, tudo bem com o senhor? Comigo não. Eu estava com um pouco de receio de vir aqui. É que sei lá, eu acho que essa coisa de terapia é só pra maluco, sabe? E eu tenho certeza que maluca eu não sou. Bom, já que é para falar, vamos falar, né?
- Tenho dois filhos lindos: Alice, de 5 anos. Pele clara, olhos azuis, alta para idade e com bochechas coradas. Saudável, feliz, amável, quieta e obediente: a filha que toda mãe pediu a Deus. E Pedro, de 9 anos. Moreno dos cabelos lisos. Parece um indiozinho. Diferente de Alice, Pedro é arteiro e teimoso. Eu amo os dois. Tanto a tranquilidade de Alice quanto a bagunça de Pedro.
- Mas meu marido... Ai, o Luiz Claudio é foda, doutor! Ele consegue me tirar do sério com uma facilidade que o senhor nem imagina! É que eu fico bem até ele chegar. A rotina é a seguinte: entra, não cumprimenta, senta naquele sofá, vê o futebol, não ajuda com as crianças. Sabe doutor, eu acho que ele acha que a vida é muito fácil. Só quer as crianças bonitas pra exibir nas festinhas. Agora eu? Eu me fodo cuidando delas doutor!
- Ai doutor, desculpa o excesso de palavrões, estou bastante irritada e não sei como o senhor é com isso. É que eu estou explodindo, sabe? Eu sou uma mulher muito controlada e não preciso de terapia! Eu não queria vir, foi a Marcela que me convenceu. Marcela é minha melhor amiga. Daquelas que a gente não larga, sabe? Que dá os melhores conselhos, te coloca pra pensar. Eu conheci a Marcela na faculdade e desde então somos unha e carne. Quando eu ia casar com o Luiz Cláudio, ela falou que eu estava me precipitando. Eu estava muito apaixonada, cega de amores, sabe? Nem liguei para o que ela falava.
- No início o Luiz Cláudio parecia ser o homem da minha vida, agora é tudo diferente! E se ele estiver me traindo? Ai doutor, eu acho que eu infarto. Será que ele está me traindo? Porque, pensa só, é isso ou ele virou gay! Um cara que chega em casa e nem olha pra mulher, ou está com outra ou virou biba! O que você acha hein, Dr. Sérgio? O senhor não vai falar nada? Então é assim? A gente vem aqui, paga uma fortuna para falar com uma parede? O senhor ta aqui pra me ajudar ou o que? Não disse que é coisa de maluco? Eu hein...
(Salete, a recepcionista, entra na sala e avisa que o tempo acabou.)
- Já? Como assim? Ai meu Deus, mas eu nem terminei de falar! E agora a angústia aumentou! Salete, faz favor, marque no mesmo horário semana que vem. Boa tarde Dr. Sérgio.
(Passam-se 15 minutos e chega correndo o paciente das 16 horas.)
- Boa tarde Dr. Sérgio. Meu nome é Luiz Cláudio, prazer. O senhor tem certeza que esse negócio de terapia não é coisa de bicha? Os caras do futebol começaram a tirar onda com a minha cara quando eu falei que vinha. Falaram que é só bicha e doido que vem aqui. Bom, já que eu vim aqui, vamos falar.
- É o seguinte, doutor. Eu tenho uma confissão para fazer. Eu traí minha mulher. É... Fiz a maior merda da minha vida e agora eu estou agindo pior ainda. Eu não consigo mais olhar na cara dela, nem agir normalmente.
- Bom, vamos começar desde o início. Eu conheci a Carolina na faculdade, foi amor a primeira vista. A gente começou a namorar e eu fui logo pedindo ela em casamento. No início era tudo as mil maravilhas doutor! Tivemos dois filhos lindos: Alice e Pedro.
- Estava tudo indo muito bem até eu entrar pra empresa que eu trabalho hoje em dia. Eu e a gostosa da minha secretária! Doutor, o senhor que é homem deve me entender que depois do segundo filho o corpinho sarado não tem mais vez, né? Já a minha secretária... Essa aí é um pedaço de mau caminho! Ah, Bárbara! Vinte aninhos, 1,80 metro, morena de olhos verdes. A carne aqui é fraca, doutor. Ela começou a dar condição e eu parti pro abraço sem pensar no dia seguinte. Acho que só eu não sabia que ia acordar tão mal.
- A partir deste dia eu comecei a chegar em casa e não conseguir olhar na cara da Carol. Ela está uma pilha de nervos comigo por não entender o porque d’eu andar tão ausente em casa. É complicado, sabe Dr. Sérgio? Eu não sei se conto, se não conto. Está sendo doloroso demais ficar longe dos meus filhos e da mulher que eu realmente amo. A Bárbara pode até ser um pedaço de mau caminho, mas ela tem idade pra ser minha filha! Eu tava cego com a beleza dela.
- Mas e aí doutor? O que eu faço? Conto? Não conto? Eu tenho medo de contar e ser expulso de casa. O senhor não vai falar nada? Ai ai... E agora? Eu só posso estar maluco pra vir aqui, viu? O senhor acha o que? Que eu vou pagar R$ 120,00 para vir aqui falar com a parede? Ah, quer saber? Eu vou contar pra ela, mas eu vou falar tudo o que eu sinto! Que eu a amo, mas que todo o ser humano erra! Passar bem!
- Ah, Salete, remarca pra semana que vem às 15 horas!
(Logo depois da terapia, Luiz Cláudio resolve contar para a mulher que a traiu, mas que a ama. Ela, possessa, o expulsa de casa.)
(Na semana seguinte ambos vão novamente no mesmo dia ao consultório de Dr. Sérgio. Enquanto Carolina está sendo atendida, Luiz Cláudio chega na sala de espera. Quando ela sai, dá de cara com o marido folheando uma revista de fofoca.)
- Luiz Cláudio?! Até aqui você me persegue? Já falei para você parar de tentar me ligar, se desculpar e todas essas coisas! Chega!
- Espera Carolina! Desta vez você tem que me escutar! Eu não vim aqui te perseguindo nem nada, foi ao acaso. Eu acho que principalmente por causa disso você tem que me ouvir. Eu te amo! Você foi a única mulher que eu amei, desde a primeira vez que vi! Foi só uma fraqueza, eu sei que você também me ama!
- Luiz Cláudio, pelo amor de Deus! Se você me amasse não tinha ficado com aquela sirigaita do escritório! Fraqueza por fraqueza é fácil. O seu irmão sempre me deu mole e eu nunca fiquei com ele. Não só ele, mas vários dos seus amigos, inclusive o Marcão! É! O Marcão, saradão, gostosão, surfista! Ele não tem essa barriguinha de chopp que você tem, mas nem por isso eu te larguei por ele Luiz Cláudio. Nem por isso! E agora você tem a cara de pau de me dizer que foi fraqueza? Se eu soubesse que você era tão fraco eu não tinha casado com você!
- Carolina, por favor! Carolina!
(Carolina bate a porta e vai embora. Luiz Cláudio desaba a chorar, senta no sofá de espera e fica lá aos prantos.)

domingo, 6 de junho de 2010

A Gota D'água

A porta estava aberta, parecia um convite: entre. Com um pouco de receio, olhei para os lados para ver se alguém me espiava. Não. Entrei. Aquela sala era fria e escura, não tinha ninguém. Chamei por ele, ele não veio. Chamei por ela, ela não veio. Será que eles se foram? Dela eu já esperava, mas dele? Nunca.
Marta era assim, nem ligava para os outros. Ela beirava os 25 anos e era linda. Muito linda. 1,85 metro, cabelos dourados, olhos cor de mel. Era bem sucedida, rica. Tinha tudo que queria e mais um pouco. Eu já estava esperando o dia que ela ia deixar a gente. Mas e o Luciano? Ah, o Luciano pra mim era o homem mais bonito do mundo. Não era padrão, tipo Brad Pitt. Ele era sentimental, ele gostava de poesia que nem eu. Ele não era nem alto, nem baixo. Nem loiro, nem moreno. Tampouco tinha olhos claros. Mas pra mim ele era O cara. Nunca esperei isso dele. Ele era diferente, sabe?
Fugir com a Marta? Mas ela não via nada nele. Não do jeito que eu via. A Marta podia ter tudo que ela queria, mas ela era uma pessoa meio sem cultura, sabe? Ela não lia Bukowsky, nem Drummond. Ela não ia ao cinema, nem ao teatro. Também não sei o que o Luciano viu nela. Eu pensei que ele fosse diferente. O Luciano nem era tão bonito. Na verdade ele era até feinho e não tinha dinheiro. Porque diabos, Marta tirou ele de mim se a ela pouco interessava?
Fiquei ali naquele sofá creme, sentada. Olhando em volta e esperando que o meu Luciano voltasse com seus olhos escuros e sem graça, trazendo poemas de amor para a gente ler debaixo da árvore. Só esperei.
Marta era minha irmã, nem por isso eu a amava. Ela sempre tirou de mim o que eu tinha de mais precioso, mas dessa vez foi a gota d'água. Tirar de mim o homem que era tudo na minha vida? Tudo bem. Eu tenho vinte anos, mas ele era sim o homem da minha vida.
Subi para meu quarto solitário. Queria afogar minhas mágoas no meu travesseiro e em uma barra de chocolate meio amargo e crocante que meu Luciano tinha me dado de dia dos namorados. Junto com ele tinha vindo um poema. Clichê? Nunca. O Luciano conseguia falar de amor de uma forma diferente. Só não conseguia compreender como um homem que transcrevia os sentimentos como ele podia ir embora assim. Voando.
Fui até o quarto de Marta. Nem eu sei por que motivo. Sentei em sua cadeira. Sobre a mesa, um bilhete: "Não me espere para o jantar.". Fiquei confusa. Será que ela ainda voltaria? Resolvi ligar. Marta atendeu aflita. Chorava. Perguntei-lhe o que havia acontecido e ela só me deu um endereço: Rua do Brasão, 5000.
Eu nunca tinha visto, nem ouvido a Marta chorar. Peguei um casaco e corri. Cheguei no endereço. Era um hospital. Entrei correndo. Marta me abraçou, coisa que ela nunca fazia. E disse: "Irmã, ele se foi. Deixou isso pra você.". Ela largou em minhas mãos a caneta de Luciano.
Naquele momento tudo começou a se desdobrar e a dor que eu sentia era grande demais. Me confortava saber que o Luciano me amava. Porém sem ele, eu não era nada.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Basta.

Saindo do forno.

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Acordei. Tomei um pouco de poesia pela manhã. Me bastou. Andando pela rua vazia vi que o silêncio faz muito mais barulho do que qualquer outro som. Resolvi parar para pensar que pensar demais enlouquece e louca eu já sou, não preciso disso. Parei. Olhei para os lados, chovia. Senti a chuva me abraçar e a água me consumir. Naquele dia, eu só tinha tomado poesia. E isso basta.