domingo, 6 de junho de 2010

A Gota D'água

A porta estava aberta, parecia um convite: entre. Com um pouco de receio, olhei para os lados para ver se alguém me espiava. Não. Entrei. Aquela sala era fria e escura, não tinha ninguém. Chamei por ele, ele não veio. Chamei por ela, ela não veio. Será que eles se foram? Dela eu já esperava, mas dele? Nunca.
Marta era assim, nem ligava para os outros. Ela beirava os 25 anos e era linda. Muito linda. 1,85 metro, cabelos dourados, olhos cor de mel. Era bem sucedida, rica. Tinha tudo que queria e mais um pouco. Eu já estava esperando o dia que ela ia deixar a gente. Mas e o Luciano? Ah, o Luciano pra mim era o homem mais bonito do mundo. Não era padrão, tipo Brad Pitt. Ele era sentimental, ele gostava de poesia que nem eu. Ele não era nem alto, nem baixo. Nem loiro, nem moreno. Tampouco tinha olhos claros. Mas pra mim ele era O cara. Nunca esperei isso dele. Ele era diferente, sabe?
Fugir com a Marta? Mas ela não via nada nele. Não do jeito que eu via. A Marta podia ter tudo que ela queria, mas ela era uma pessoa meio sem cultura, sabe? Ela não lia Bukowsky, nem Drummond. Ela não ia ao cinema, nem ao teatro. Também não sei o que o Luciano viu nela. Eu pensei que ele fosse diferente. O Luciano nem era tão bonito. Na verdade ele era até feinho e não tinha dinheiro. Porque diabos, Marta tirou ele de mim se a ela pouco interessava?
Fiquei ali naquele sofá creme, sentada. Olhando em volta e esperando que o meu Luciano voltasse com seus olhos escuros e sem graça, trazendo poemas de amor para a gente ler debaixo da árvore. Só esperei.
Marta era minha irmã, nem por isso eu a amava. Ela sempre tirou de mim o que eu tinha de mais precioso, mas dessa vez foi a gota d'água. Tirar de mim o homem que era tudo na minha vida? Tudo bem. Eu tenho vinte anos, mas ele era sim o homem da minha vida.
Subi para meu quarto solitário. Queria afogar minhas mágoas no meu travesseiro e em uma barra de chocolate meio amargo e crocante que meu Luciano tinha me dado de dia dos namorados. Junto com ele tinha vindo um poema. Clichê? Nunca. O Luciano conseguia falar de amor de uma forma diferente. Só não conseguia compreender como um homem que transcrevia os sentimentos como ele podia ir embora assim. Voando.
Fui até o quarto de Marta. Nem eu sei por que motivo. Sentei em sua cadeira. Sobre a mesa, um bilhete: "Não me espere para o jantar.". Fiquei confusa. Será que ela ainda voltaria? Resolvi ligar. Marta atendeu aflita. Chorava. Perguntei-lhe o que havia acontecido e ela só me deu um endereço: Rua do Brasão, 5000.
Eu nunca tinha visto, nem ouvido a Marta chorar. Peguei um casaco e corri. Cheguei no endereço. Era um hospital. Entrei correndo. Marta me abraçou, coisa que ela nunca fazia. E disse: "Irmã, ele se foi. Deixou isso pra você.". Ela largou em minhas mãos a caneta de Luciano.
Naquele momento tudo começou a se desdobrar e a dor que eu sentia era grande demais. Me confortava saber que o Luciano me amava. Porém sem ele, eu não era nada.

Um comentário:

  1. nossa, fiquei até arrepiada, texto fortíssimo.
    tá lindo, mari, lindo!

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